sábado, março 19

OITO DE MARÇO


   Deixe-me tirar o pó desse blog. De fato uma faxineira deveria vir aqui. É melhor nem olhar muito porque é capaz de ter barata voando sim, eu sou muito engraçada.
    Bom, eu vou fazer mais uma exceção a regra com esse post, pois o blog é meu e eu ponho o que eu quiser esse texto foi feito ano passado por mim em homenagem ao dia internacional da mulher. Eu, particularmente, acho esse dia muito importante e - apesar de já ter passado – quero deixar essa historinha aqui.
   Para quem não sabe, embora todos devessem, esse dia surgiu quando 300 funcionárias de uma fábrica exigiram salários iguais aos homens (nada mais justo, já que o trabalho era o mesmo) e, em resposta, foram queimadas. Até hoje não há essa igualdade, diga-se de passagem, governos são obrigados a fazer cotas para o ingresso da mulher no cenário executivo. Um absurdo! Mas enfim, aqui vai a narração carinhosamente elaborada em quatro horas.

                                                                 
OITO DE MARÇO

            Em uma casa antiga, no bairro de Perdizes, um arquiteto lia o quinto capítulo de “Emílio”, escrito por Rosseau, enquanto sua mulher fazia o jantar. Ele pensava em filosofia, ela na viagem de férias. Queria conhecer um lugar novo, mas o homem preferia ir novamente à França, à romântica Paris - ou melhor, ao velho Pantheón-. A TV estava ligada enquanto passava o noticiário.
            Esposa mantém homem refém”.
            Desligou. Foi dormir.
            No dia seguinte, o arquiteto foi tomar café – com leite e descafeinado - que sua mulher lhe servia. A mulher falava da vontade de recomeçar a faculdade (tinha parado quando engravidou). O homem murmurou que tudo bem, desde que não atrasasse o jantar.
            Na capa do jornal, uma mulher de avental com uma faca de cozinha na mão, aparentemente na janela obscura de um cômodo qualquer. “Esposa ameaça matar...”. Fechou o jornal. Foi trabalhar.
            Estava um caos lá fora, um trânsito maior que o normal Que será que tinha acontecido ? O arquiteto ligou o rádio: “Julieta disse que matará o homem com quem vive há dez anos...”. Mudou de estação: “A mulher está totalmente desprovida de sanidade mental...”. Outra vêz: “Pessoas se sensibilizam com a situação, uma multidão se encontra no local, inclusive uma mulher loira, que chora compulsivamente em frente ao prédio da vítima: - Como uma esposa pode fazer isso com o marido? É horrível! Ele sempre tão bonzinho...”-.Uma última: “A polícia cercou o local e interditou a rua que fica em Perdizes...” Colocou na FM, mas a notícia o perseguia. Desligou o rádio. Tentou caminhos alternativos.
Enquanto isso, Joana arrumava a casa, pensando em nada. Lavava, limpava os livros do marido; passava sem perceber por filósofos renomados tal como Pitágoras, Aristóteles e Kant.
            No dia seguinte o trânsito não diminuiu. Outro dia e nada. Nem no outro. Os caminhos alternativos não surtiam mais efeito, pois o trânsito se estendia a eles também. A notícia ainda tomava conta do rádio, televisão, jornal, não se falava em outra coisa.
            Desligou o rádio e a TV; fechou o jornal e a revista; tapou os ouvidos para os comentários. Uma mulher assim não merecia sua atenção. Então reclamou do jantar, Joana ainda falava em faculdade. O homem foi dormir com sua mulher.
                        Por fim, no dia oito de março, o trânsito voltou ao normal. A notícia se foi, mas a curiosidade pairava no ar. O que será que acontece? A mulher matou o homem? Foi presa? Matou-se? Tudo acabou bem? Ligou o rádio: “Na classificação geral do brasileirão...”. Mudou de estação: “Uma frente fria avançará sobre...”. Outra vez: “estréia em cartaz essa semana...”. Uma última: “você quer ganhar ingressos para o show...?”. Colocou na FM, mas a informação não era mais notícia. Desistiu de trabalhar e foi procurar o caso dessa mulher louca, achou em um velho jornal de dois dias atrás:
            “Mulher desvairada mata o marido a facadas
            Julieta dos Santos, 35 anos, mata o marido após uma semana de confinamento na residência onde os dois moravam. Testemunhas contam que não ouviram, nem viram nada de atípico no apartamento no dia em que a esposa aplicou sedativos no homem e o amarrou ao fogão. Vizinhos falam, ainda, que não eram comuns as brigas entre o casal. [...] Julieta entregou-se à polícia logo após matar o marido com uma faca de cozinha e disse – no ápice de sua insanidade mental- que não iria oferecer resistência desde que não fosse algemada. Segundo a mulher, esta já teria sido muito algemada, no entanto as autoridades negaram qualquer passagem de Julieta pela polícia.”
             Pensou...
       Talvez fosse melhor Joana fazer uma faculdade, indagava o arquiteto. Pensava em deixá-la escolher também o destino da viagem (Estados Unidos, Casa da Cascata?). É, ia deixar sim.
            O marido deixou o jornal no banco de trás. Correu para comprar flores para a esposa. Tarde demais. Mal sabia que a esposa largara o jantar e desvendava seu “mito da caverna”. Afinal, era oito de março.

2 comentários: